Amazônia – O Fim do Verde
No início deste milênio, comecei a me embrenhar na mata.
Em meio à densidade da floresta percebi campos devastados, ilhas dispersas, a imensa solidão das árvores.
Como são solitárias as árvores da Amazônia. Parecem dotadas daquela consciência extrema e quietude comum apenas aos que sobrevivem às grandes destruições. Perseverantes, compõem – com a palafita isolada, o cão abandonado à margem, o remador, a queda d’água, o barco – paisagens inexpugnáveis.
Silêncio verde, verde amazônico. Ou melhor, verdes. Verdes que não são captados pelo filtro infravermelho. A máquina enxerga outras cores. Estes verdes são próprios dos olhos humanos.
Os verdes só aparecem nesta série de imagens como fantasmas. É como se a cor ali não estivesse. É como se o corpo frondoso das árvores fosse só uma reminiscência.
São como vultos. As imagens nos avisam: mesmo se um dia a presença centenária e soberana da vegetação não puder escapar dos violentos golpes que se aproximam, ainda sobreviverá seu espírito – talvez em tons de branco, amarelo, cor-de-rosa.
O verde nessas fotos é como um perfume.
Mas, apesar dessa vida ameaçada, cada vez mais circunscrita, que se aperta, as árvores ainda estão ali, em pé, em seu corpo verde, que os humanos, sem lentes, podem ver. E que os habitantes nativos sabem tão bem distinguir e reconhecer, em toda a sua diversidade.
Alguns, no entanto, não vêem. Que tipo de filtro os impede?
Fotografo o particular de cada árvore em meio à amplidão de rios azuis profundos e intermináveis. Testemunho e registro árvore e homem. Contemplo este imenso deserto aquático, como quem mira um espelho. Quem sabe, alguma resposta nos chegue antes, antes do fim do verde.
Betina Samaia, 1964, fotógrafa paulista, formou-se em Psicologia pela PUC-SP. Em seu trabalho busca registrar imagens do inconsciente transitando livremente entre passado e presente, realidade e imaginação. Com as séries Coreografia do Caos, Florestas do Imaginário, Noturnos, Amazônia, “Índia-Memórias do que nunca ví ”, África, entre outras, participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil, na França e nos Estados Unidos. Ao longo da última década, seus ensaios foram apresentados em espaços como Espace des Arts Sans Frontières (Paris), La Quatriéme Image (Paris), Magic Brésil (Paris), Carroussel do Louvre (Paris), Le Magazyn (Califórnia), Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro), Museu da Imagem e do Som (São Paulo), Galeria Arte 57 (São Paulo), Galeria Athena (Rio de Janeiro), Paraty em Foco-Festival internacional de Fotografia (Rio de Janeiro) e Galeria Valu Oria (São Paulo). Betina também é autora dos livros Noite afora Noite adentro (2017), Azul (2015), pela Editora Madalena e Amazonia- O Fim do Verde (2021), Edition Bessard.