Pele Preta

Maureen Bisilliat

Pele Preta é o primeiro trabalho de Maureen que veio a público. Nele fotografou uma moça negra, “uma mulher altiva, que não considerava depreciativo posar como modelo”, segundo suas próprias palavras.

O trabalho resultou numa exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1966, e já antecipava muito de sua imagética pessoal, e, de certo modo, também a de outros importantes fotógrafos que seguiriam anos depois esta mesma vertente. Em entrevista a escritora Marta Góes, a psicóloga Eda Tassara, parceira de trabalho e amiga da fotógrafa, diz que “naquela época, fotografar uma modelo negra era uma inovação”. Era um momento de forte debate intelectual, exposto pelo Cinema Novo e pelo Teatro de Arena. “Maureen trouxe este debate para o território da estética e afirmou sensualmente a beleza dos tipos populares”, afirma Tassara.

“O corpo humano, minha porta de entrada na pintura, acabou por me levar à fotografia”, avalia Maureen. Junto com as imagens da modelo, o ensaio retrata também um menino negro (em algumas imagens, como um “menino-anjo” com asas brancas) posando sozinho ou com um ancião e/ou com a modelo. Ex-votos também integram o ensaio, interagindo com os personagens e seus corpos, num delicado roteiro banhado por uma luz magistral. As fotografias foram feitas no interior de São Paulo, em São José do Rio Pardo, e na Capital.

Os ensaios fotográficos de Maureen sempre foram concebidos e editados em fortes sequências visuais que sintetizam a visão da autora sobre os universos do real e do imaginário, compondo aquilo que ela denomina de equivalências fotográficas das obras literárias que nortearam seu trabalho. No caso da série Pele Preta, Maureen continua atualmente trabalhando sobre este projeto, agora de maneira reversa, buscando, a partir das imagens do ensaio, textos de autores que dialoguem com esta série inaugural de sua obra fotográfica.

Nas palavras de Maureen: “Aprecio imagens aliadas à escrita, frases escolhidas definindo melodicamente a linha da orquestração. Em livros como os de Diane Arbus (1923-1971) e Nan Goldin (1953) há essa orquestração: ritmos, silêncios, acordes, vazios. A palavra, escolhida da produção literária ou pinçada do testemunho biográfico, vem da fala íntima da pessoa, destilada. Seria quase como escrever com a imagem e ver com a palavra.”

Sergio Burgi
Curador
Instituto Moreira Salles

Maureen Bisilliat, fotógrafa e documentarista, foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico / CNPQ (1981-87), da Fundação do Amparo à Pesquisa / FAPESP (1984-87) e da John Simon Guggenheim Foundation (1970), nasceu na Inglaterra em 1931, chegando ao Brasil em 1952. Iniciou na fotografia em 1962, atuando como fotojornalista durante 10 anos nas revistas Realidade e 4Rodas. Suas andanças resultaram na elaboração de um projeto traçando “equivalências fotográficas” dos mundos retratados por Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Jorge de Lima, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade e Adélia Prado, posteriormente publicadas em livros. 1972 a 1977, visitou com frequência o Xingu. Em 1979, em coautoria com os Irmãos Villas Bôas, lançou o livro XINGU / TERRITÓRIO TRIBAL, com edições lançadas em cinco idiomas. Em decorrência deste trabalho foi curadora da Sala Especial XINGU TERRA, instalada na XIII Bienal de São Paulo (1975). Em 1988, com seu marido Jacques Bisilliat e seu sócio Arquiteto Antônio Marcos Silva, foi convidada por Darcy Ribeiro para criar um acervo de arte popular latino-americana, do qual nasceu o Pavilhão da Criatividade da Fundação Memorial da América Latina. Seu envolvimento com a Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero começou com a documentação dos trabalhos de sua filha, Sophia, junto à equipe do Teatro no Presídio (1984 – 89), projeto coordenado por Eda Tassara, Professora de Sociologia do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP).  Em 2001 juntou-se a André Caramante, Sophia Bisilliat e o fotógrafo João Wainer para gravar em vídeo os detalhes infinitos dos ÚLTIMOS ANOS DO CARANDIRU. 
Em 2003 o Instituto Moreira Salles adquiriu seu Acervo Fotográfico publicando, em 2009, um livro: FOTOGRAFIAS / Maureen Bisilliat, acompanhada por uma exposição apresentada FIESP. O interesse do Instituto pela sua obra reavivou o interesse da própria autora pelos seus próprios trabalhos, até então esquecidos nos armários do tempo. O Prêmio Porto Seguro de Fotografia, a Ordem de Ipiranga, a Ordem de Mérito Cultural e a Ordem de Defesa, recebidos, todos no ano 2010, indicam a repercussão positiva desta redescoberta.
Seguem-se 9 anos trabalhando com o editor Felipe Lafé numa busca arqueológica por entre 20 TB de material gravada nos mais variados suportes: 16mm-Umatic-BETACAM-VHS-HD-MINI DV etc. A organização deste trabalho e a realização de edições e documentários fazem parte do Acervo Vídeo Maureen Bisilliat do Instituto Moreira Salles. Uma descoberta a duas mãos, rica e rara na sua duração, EQUIVALÊNCIAS / Aprender Vivendo é o resultado direto dessa parceria.

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